Design Sistêmico: a nova fronteira da inovação para políticas públicas
Há algumas décadas, o Design vem se estabelecendo como uma disciplina transversal, afetando a forma como criamos produtos, serviços e organizações. No setor público, essa onda demorou um pouco para chegar, mas já é uma abordagem importante no arsenal do governo para melhorar as entregas nos serviços públicos. Uma das grandes mudanças que vem do design é o foco nas necessidades do usuário, partindo de uma compreensão profunda dos comportamentos, expectativas e necessidades dessas pessoas, na busca de entregar soluções que considerem as diversas facetas do ser humano. Esse ponto de vista é especialmente poderoso no setor governamental, que muitas vezes não é capaz de se entender a realidade do cidadão e os problemas que enfrenta.
O movimento do design, encabeçado principalmente por unidades de inovação no governo, hoje é disseminado pelos diversos setores e órgãos. Enquanto os serviços públicos (digitais ou não) podem se beneficiar muito de abordagens tradicionais como o design thinking, design centrado no ser humano ou design de serviços, elas podem ser limitadas e insuficientes quando nos confrontamos com desafios complexos. Isso acontece porque esses problemas são sistêmicos, envolvendo múltiplos usuários, necessidades e relações pouco lineares, exigindo uma nova forma de trabalhar no setor público.
É nesse contexto que precisamos dar um passo além e trabalhar a partir do Design Sistêmico, uma camada do design que considera os usuários e suas relações complexas para criar uma solução que haja sobre diferentes necessidades. Muitos experimentos e estudos estão acontecendo sobre essa forma de fazer design e em 2021 nós rodamos um experimento metodológico, explorando a intersecção entre design e pensamento sistêmico. Trabalhando ao lado do Gnova, laboratório de inovação da Escola Nacional de Administração Pública, criamos um piloto de metodologia de design sistêmico e o aplicamos a problemas complexos de três ministérios.
A metodologia que desenvolvemos partiu da premissa de que precisamos iniciar o processo entendendo a experiência humana, ou seja, nos perguntamos: como é a realidade das pessoas que vivenciam em um contexto de problema público? Compreender as diferentes trajetórias humanas para compor um sistema social é como mapear as órbitas dos planetas para modelar o sistema solar: cada agente tem sua própria jornada, mas ela é influenciada pelos outros agentes que estão no sistema, resultando em relações complexas que se afetam mutuamente, em ciclos. Ao entender as trajetórias de cidadãos e suas famílias, agentes públicos e de organizações privadas, foi possível mapear um sistema, sem perder de vista a experiência das pessoas que o compõem.
Os sistemas que desenvolvemos eram compostos de subsistemas, ou seja, pequenas histórias que ajudam a explicar um contexto maior e mais complexo. Por exemplo, ao tentar entender os fatores que determinavam o Engajamento de Servidores, identificamos histórias menores que explicavam o burnout, a dificuldade em lidar com mudanças de gestão, o efeito dos incentivos financeiros e não-financeiros no trabalho e os fatores que levam à acomodação e saída do serviço público. Entender as trajetórias de diversos servidores públicos nos permitiu encontrar aquelas que se repetiam constantemente, permitindo explicar o complexo sistema do engajamento a partir da junção das histórias e eventos na trajetória dos servidores na administração pública.
Partindo desse olhar mais holístico, é possível perceber as relações sistêmicas e a conexão entre fatores que podem gerar resultados positivos ou negativos em um sistema. Por exemplo, no sistema de engajamento, foi possível perceber que a acomodação de servidores públicos é resultado de uma série de fatores que diminuem o engajamento e o propósito das pessoas no trabalho, sendo não uma causa, mas uma consequência do desengajamento. Apesar disso, muitas iniciativas em gestão de pessoas buscam trabalhar sobre a acomodação, quando na verdade seu foco deveria ser sobre os fatores que a antecedem.
A compreensão de um sistema permite desenhar soluções que atuam em diversos pontos, como se fossem “cutucões” que empurram o sistema para um estado desejável. Por exemplo, não é possível engajar servidores apenas oferecendo incentivos financeiros ao seu trabalho — essa estratégia é muito mais eficaz se estiver aliada ao reconhecimento profissional e atribuição de novas tarefas, criando um conjunto de ações que gera um sentimento de progressão e valorização do trabalho. Isso quer dizer que, ao entender um sistema, dificilmente encontraremos um fator que será a bala-de-prata para mudar todo o sistema, sendo mais provável identificar diferentes frentes de atuação que, combinadas, efetivam mudanças de forma sistêmica. Ao agrupar esse conjunto de ações sob um guarda-chuva, conseguimos então criar soluções de design sistêmico, uma vez que esse conjunto de ações será maior que a soma das ações individuais.
Trabalhar com design sistêmico significa entender que a complexidade não deve ser temida, mas abraçada. Nosso mundo é complexo e, ao simplificá-lo, perdemos o potencial de criar soluções que sejam capazes de trabalhar de forma sistêmica e holística. Mas, para isso, é importante sempre lembrar de começar a partir de experiências humanas que compõem o contexto e, assim, encontrar oportunidades para intervir para gerar transformações realmente significativas.
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Bruno Rizardi